quarta-feira, 30 de setembro de 2009

LIP's

Entraram no quarto e procederam com olhares de reprovação. Parecia um lugar imundo. A cama, desarrumada, revelava sob o lençol que se abarrotava em um canto, as espumas envelhecidas e os tecidos rasgados do colchão que lhes serviria o encosto. Ao lado da cama três pacotes de preservativos largados, abertos e, provavelmente, usados (e não faria o menor sentido se não estivessem). A janela entreaberta oferecia, pelo vão que sobrava, a vista de uma cidade suja e deserta, ainda que brilhassem os letreiros das estâncias do outro lado da rua.

Ele foi até o banheiro, que estava alagado, mijou apoiado sobre as pontas dos pés. Ela largou-se na cama que os dois, antes, haviam ajeitado (esticaram o lençol e o viraram do avesso). Ele, então, deitou ao seu lado e os dois olharam para o teto onde viam seus reflexos num espelho que o cobria, de canto a canto do quarto.

- Espelho no teto me dá uma sensação estranha? - ela disse, sem jeito, como não tivesse nada mais interessante a dizer. Não que algum tipo de embaraço a tomasse, mas era o todo daquele ambiente arquitetado para o sexo que se fazia constrangedor. A sensação de estranheza, em todo caso, se refletia no teto e nas paredes, na janela e no corpo do rapaz que deitava ao seu lado.

Ele virou lentamente a face em direção a ela e começou a acariciá-la. Passou a mão direita sobre as delicadas maças do rosto daquela menina, cuja tenra e morena pele quase se desmanchava ao toque. Ela fechou os olhos.

Ele desabotoou o vestido, soltando um a um os botões do tecido que escondia o dorso juvenil daquele corpo. Empurrou o tecido - já sem os botões como impedimento - para o lado e expôs, àquela semi-luz que entrava pela janela, o mais belo seio que já havia visto. Tocou-o, menos pelo prazer do toque que por não acreditar na concretude daquele ser deliciosamente encaixado no tórax. Levantou a aba do outro lado do vestido, descobrindo também o outro seio. Deixou-se cair sobre aqueles dois, beijando-os compulsivamente. E, enquanto sua língua se espalhava sobre um mamilo enrijecido que se esticava ao beijo, ela acariciava sua cabeça. Na verdade, puxava-lhe os cabelos com força conforme o curto corte que o rapaz exibia permitia puxar. Demoraram alguns minutos nesse processo até que a mão dele deslizasse por entre as pernas da menina, fazendo-a gemer sussurrando acima de sua cabeça. A calcinha, já molhada também por fora, era de um algodão grosso que ocultava, com tanta cobertura, a verdadeira textura daquele pedaço de pele. Não precisou avançar. Ela, percebendo a distância que aquela pequena peça de tecido abria entre o toque de um e o "sentir tocado" do outro, segurou sua mão e a levou vagarosamente para dentro da calcinha. Molhou-se o dedo todo com aquele líquido que escorria e penetrou-a.

Ela não aguentou muito tempo e pediu baixinho:

- Eu quero sentir você dentro de mim. -


Penetrou-a lentamente, primeiro; atendendo a um pedido dela que se dizia "um pouco apertada", para depois seguir com força, até que os dois respirassem pela boca tentando salvaguardar o fôlego daquela investida um tanto agressiva. Ela pediu a ele, como quem pedisse um delicioso favor:

- Goza dentro de mim? – E depois com tom de exigência. – Goza! Goza!

Ele ignorava a semântica. Entedia tudo como fosse parte de um jogo ao qual é necessário que se entregue. Mas ignorava o que realmente diziam aquelas palavras. Ela queria que ele gozasse, simplesmente. Ele, em todo caso, apenas gemia.Até que ela lhe disse:

- Preciso te contar uma coisa. Eu não vou gozar. Eu nunca gozo. - Disse como se fosse a coisa mais natural do mundo e esperava que, assim, desse a ele a liberdade de ter o prazer do coito sem por ela esperar.

Ao contrário, aquilo impactou nele onde a fraqueza era mais exposta. E ainda que se esforçasse para não tomá-lo como pessoal, ainda que tentasse absorver a naturalidade que a menina exalava ao dizer o que disse, foi como se lhe anunciasse uma incapacidade particular de levá-la ao orgasmo, como se apenas no gozo pudesse a razão do sexo estar justificada. - "Bobagem" - pensou ele logo depois. - "Se ela não goza nunca deve haver no sexo algum fundamento de prazer qualquer, senão ela simplesmente não o faria." - E ele sabia mui bem a qualidade precisa daquele argumento, pois também ele tinha no gozo o privilégio de apenas uma ou outra foda que desse - e sentia prazer mesmo assim, pois não o sentisse, teria parado há tempos.

Continuou a penetrá-la com força. Ela, entre um gemido e outro, pediu a ele que gozasse, mais uma vez. Ele – que também sabia que o gozo muito provavelmente não viria – ignorava os pedidos e adicionava mais força ao movimento cada vez que um pensamento dessa improbabilidade do coito vinha à cabeça. Pois ainda que o gozo não chegue e que o advento capital da reprodução não possa justificar qualquer acepção natural do sexo como essa dádiva evolucionária, é sempre a um fim que se caminha, ainda que se faça apenas a passeio; é o andar que pressupõe a parada e não o inverso. E se o fim representado pelo “cansaço” assumido não era tão desprezível assim, também não parecia a ordem mais natural da coisa e roubava do ato um certo conforto psicológico, desses que se traduzem mais na expectativa do destino que propriamente na chegada em termo. Pois ele continuou como se pudesse gozar, como fosse de fato ejacular, dentro ou fora daquela cálida vagina – mesmo que a razão o dissesse o contrário. E, tão logo se deixou perder na suavidade daquela pele e no calor daquele pequenino corpo suado, pôde novamente pender para o irracional que o movia sem qualquer nota.

Como o coito não veio, de um lado ou de outro, os dois se perderam entre as carícias vulgares do sexo e aquelas mais fraternais, quase assexuadas. Prosseguiram a cena com um conversa doce enquanto se olhavam com certa ternura. Ele aproximou seu rosto do dela mais uma vez; ela fechou os olhos (costumava fechar - não havia um sequer beijo ao qual desse ela o mérito do olhar). Ele a beijou. E ela, “em troca”, devolveu-lhe o beijo – o mesmo beijo.

Eram os dois desse um tipo de espíritos vaidosos que pensam que dar prazer é sempre mais digno que receber. Desses que às vezes esquecem que a completude das coisas serve-se sempre pelos dois lados. Que é preciso sentir prazer em dar para que dar seja também o fulcro do recebimento. Pois, ali, tinha-se uma ironia notória: o prazer que os dois recebiam era mais pelo fato de julgarem o prazer do outro que pela experiência mesma e fisiológica que seus corpos proporcionavam.

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