sábado, 17 de outubro de 2009

O Grande Gatsby

Saiu extenuado do trabalho. Alienado de seus próprios pensamentos subiu no ônibus que esperava a quase 15 minutos. Sentara-se num banco estrategicamente localizado na parte central do veículo. Cansado da vida que ali trazia no dorso de um paletó surrado, dirigiu enfaticamente os olhares pela janela, por sobre o ombro esquerdo que se escorava na parede lateral do ônibus. O mundo parecia uma coisa distante, mas estava ao alcance uns cinco ou seis metros, na calçada que corria na direção oposta à sua.

O ônibus “vazio” trazia uns poucos passageiros os quais ele ignorava como se nada existisse naquela redoma senão o movimento constante, dirigido de dentro pra fora e de fora pra dentro do ônibus. A catraca estalou mais uma vez e seu pescoço virou-se. Os olhos de indiferença, os mesmos que se afastavam do mundo com um gesto evasivo do olhar compulsivo e inanimado, fixaram-se na louridão dos cabelos da mulher que chegara. Havia acabado de atravessar a catraca e se sentara do lado dele. Era alta e corpulenta, e tinha a pele morena queimada, quase mulata. Provavelmente a cor dos cabelos era o artifício impróprio de algum agente abrasivo; tinta de cabelo ou um descolorante. Algo que dava, com franca beleza, o ar da vulgaridade que também trazia na roupa. A calça – justíssima – dava sentença merecida àquelas ‘senhoras’ coxas, assim como o decote exagerado mostrava a parte superior dos seios como a vitrina que na confeitaria mostra seus doces através de uma placa translúcida.

Teve ele uma ereção. Instintivamente, puxou um livro que havia na pasta; abriu-o e pois os olhos em cima enquanto à esguelha mantinha à vista aquelas coxas e seios. O livro que se abriu, em todo caso, dizia apenas de uma atenção renovada, que agora não mais atravessava a janela. Mas o texto que o livro enredava nem sequer semântica tinha. Eram letras embaralhadas que serviam de corrimão aos olhos lascivos e imorais daquela libido iletrada.

Conforme julgou o desconforto daquele membro ereto na posição que estava, escorreu pelo assento jogando os joelhos pra cima e os apoiando no banco da frente. O pênis deslizou pela virilha e, à força, atravessou o elástico da cueca que o sufocava. Gemeu com os olhos como se algo naquele livro fizesse sentido. Deteve, então, o livro em apenas uma das mãos enquanto a outra, rompendo por entre as pernas levemente erguidas, deslizava até recostar-se no obelisco que se eriçava. Acariciou-o com certo receio, imaginando penetrar a pandora protegida por aquelas coxas salgadas que ao seu lado escondiam-se embaixo de um tecido ordinário. Percebeu, no entanto, que aquelas carícias que ocultava para si, reverberavam num movimento muscular visível também sobre os bíceps. Esperava, por isso, que o ônibus entrasse em movimento para que o despudor dedilhado por sobre o tecido da sua calça fosse confundido com a turbulência do ônibus, que trepidava com a mais sutil arrancada e só repousava quando parava na ponto. A mulher olhava para frente, mas ele imaginava-a olhando a sua performance dissimulada e ela, mordida entre os dentes, tinha nessas imagens o mesmo aspecto sujo e depravado daquela vagina depilada que ele recriava mentalmente envolta de seu pênis.

Volta e meia, esquecia de olhar para o livro e quando se dava conta virava uma página, como se aqueles parágrafos já desgastados tivessem lhe servido os prazeres de uma história contada (e de certa forma serviam). Como não pudesse mais esconder o líquido denso daquela conduta imoral, ejaculou seguidamente - quatro vezes. Gozou tão despreocupadamente que julgou ter a mulher notado o fato. Não importava; ao contrário, isso só tornava mais triunfante aquele excesso.

Coincidentemente ou não, o livro se encontrava aberto em uma ultima página de um capítulo que findava com um pequenino parágrafo. Ele leu:

“Cada um de nós desconfia que possui pelo menos uma das virtudes cardinais – e a minha é esta: sou uma das poucas criaturas honestas que jamais conheci.”

Ele não sabia do que se tratava. Não sabia que livro era. E nem quis saber.