quarta-feira, 1 de abril de 2020

O Encontro por marcar

„Preciso me encontrar“, disse Cartola enquanta narrava as imagens de um movimento contínuo, „por aí, a procurar“, „deixe me ir, preciso andar“. O sol, os pássaros com seus cantos únicos e variados na medida mesma das variedades dos espécimes a cantá-los, as águas dos rios sempre em marcha tal que nominamos seu movimento como o movimento de pernas humanas em ação.

E, no entanto, o „eu“ que procura, ao mesmo tempo sujeito e objeto da ação, não faz mais que anunciar a medida imanente de seu isolamento. Todas essas imagens de uma natureza magnífica que o cerca são externas a ele; a cada passo dado, afastam-se. E no espaco agora ocupado, só um corpo. Seu próprio corpo a servir-lhe o encontro em vista. Mas o encontro não vem e a procura continua, porque a irremediável razão dos sentidos é vagar pelas coisas mesmas sem nelas, contudo, habitar – ainda que a percepção seja a do próprio corpo que percebe, porque ninguém – absolutamente ninguém – pode desfrutar do luxo de ser sujeito e objeto, ao um mesmo tempo, da ação do encontro. Como os polos invertidos de dois ímãs: um que empurra e o outro que é empurrado. Encontrar não é verbo reflexivo, não pode ser. A necessidade deste sair vagando é apenas desculpa (mentira que um diz a si mesmo, por que „mentir“ sim é ação em que se permite o sujeito ser também objeto), mera desculpa para mover de lugar esse corpo, que não suporta a constância de ser – ser o tempo todo – e não saber exatamente o que se é.

„Eu quero nascer, quero viver“. O sujeito que não se conhece e sendo impossível conhecer-se de fato, clama pelo próprio nascimento e pela vida própria. É pois nas imagens em movimento do mundo – que espelham o movimento de seu próprio corpo – que essa vida ganha contorno. Mas é sempre e apenas uma vida em retrato: „rir para não chorar“ - Nós a aceitamos assim, porque entre a dor e a dúvida, escolhemos a dúvida, sem saber que é a dor, e somente a dor, que pode o „ser“ presentificar. A dúvida é, como o corpo que vaga e sempre a ele paralelo, um justificativa branda mas opção que se renova a cada passo... Vou por aí a procurar, não sei o que exatamente, mas deixe me ir, preciso andar, até que um dia não mais: e damos um nome ao „encontro“, um nome terrível, mas um nome. Pois é um nome, acima de tudo, o que todo sujeito merece.