quarta-feira, 7 de agosto de 2019

O dia em que atropelei um homem de gravata

Como eu queria acreditar numa resposta à espreita a aviltar opressores, o sono dos justos a povoar pesadelos daqueles que já muitos sonhos interroperam. Quem me dera fosse a estrutura do mundo, e do universo, uma máquina moralizante a distribuir – como reações newtonianas – contrapesos e a fabricar, na semântica geral dos gestos intencionados, uma simetria tão clara quanto aquela reproduzida pelo espelho. E eu diria que a revolução não foi, e nunca será, um mero acidente. Absteria-me de julgar, quem quer que fosse e por qualquer coisa que tenha feito, porque a estreiteza do ponto que ocupo no espaço não me oferece senão a mobilidade de um corpo que flutua.

Mas eu que cheguei até aqui só vi injustiças perpetuarem-se no lassez-faire da vontade abstrata do deus infinito. E mesmo quando a sorte abateu criminosos, não houve justiça, porque seu nome não foi mencionado. Não houve justiça, porque efeitos e causas não eram ali os amantes de uma dança ensaiada. Não houve justiça, porque também o recursivo sentido da resposta ficou esquecido entre as dores daqueles que apenas puderem enxergar o vazio semântico do aleatório. Como no instante fatídico daquele infeliz acidente, em que com desatenção abusiva marquei minha culpa no asfalto:

O dia em que atropelei um homem de gravata – e ele já não pode mais responder por seus crimes, e o meu agora emerge sozinho, em demanda de um novo juízo. Ah, se com as linhas tortas do contingente me pudesse desenhar uma casa, nela me confinaria até que viesse à minha porta bater a fortuna que me é de direito, seja ela qual fosse.