quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Anarquismo no Busão

Catete, cinco e quinze da tarde. Saio correndo de casa, sanduíche de filé de peixe na mão, a título de almoço. Entro no um-sete-zero Gávea-Rodoviária. Uma vez resolvidos os protocolos - dinheiro pro trocador, "Não tenho menor", passa na roleta, se atrapalha pra guardar o troco - corro pro primeiro lugar vazio pra terminar o sanduíche que tinha guardado na mochila. Saí cedo de casa, vou chegar cedo no trabalho, de repente pego até um pedaço de Malhação antes do expediente. Vejo um vizinho entrando no ônibus, me concentro no sanduíche. Ele passa direto. Menos mal. Ao meu lado, no ônibus, uma senhora de largas proporções toma quase três quartos do banco. Mas ela já estava na janela, e quando um gordo senta na janela, não há o que fazer, porque ele se escora na parede, deixando ao passageiro que chega depois o que sobrar do espaço, e sem possibilidade de negociação - verbal ou não. Acho, ainda, que no contexto das diversas disputas contemporâneas por espaço no mundo [Paquistão, Iraque e Gaza são só âmbitos maiores de uma questão que toca esferas bem mais restritas] a obesidade tem assumido muito pouca importância.

Abriu uma vaga na última fileira, naqueles bancos de trás. Me sentei com um grupo de trabalhadores que pelo semblante - e o cheiro - estavam certamente retornando da labuta. Sem demora, tirei novamente meu sanduíche da mochila pra terminar meu almoço. No que, para minha surpresa, ouvi do rapaz ao meu lado:

- Pô, me dá uma parte desse sanduíche aí...

Depois de uns poucos segundos estático, surpreso pela inesperada abordagem, recompus-me e, num misto de embaraço e firmeza, respondi que não, que era meu almoço.

- Mas eu trabalhei o dia todo, um sanduíche desses ia descer benzão...

- Mas esse é meu, brother.

- Vacilo...

- Pô.

E ficou a me olhar até a estação de trem da Central do Brasil com aquele jeito proudhoniano de quem diz "a propriedade é um roubo!". E eu olhava de volta com aquele jeito malufiano de quem diz "roubo mas faço!". Castelo, Praça Mauá, Marechal Floriano, Central do Brasil. O rapaz salta do ônibus. Eu sigo em frente, tranquilo. Tenho ainda meia hora até o início do expediente, pra fazer um trajeto de dez minutos até o colégio.

Poucos metros à frente, um engarrafamento monstruoso paralisava o resto do caminho. Só chego ao trabalho uma hora depois. Escuto os resmungos da diretora, assino o ponto, a advertência, enfim, os protocolos todos. Talvez tenha desconto no salário. Mas não tem nada não. É só mais um jeito de Deus dizer que é anarquista.

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