The observer walks on paving stones and cracked concrete; broken glass and cigarette butts; around with buildings and windows and gates and lampposts and lights and written or silent walls and posters and outdoors and bus stops and trees and cars and bicicles and people and dogs, but, mainly, people; food and full or empty bottles and cigarettes and smoke and various smells and gestures and laughings and agressiveness and indifference and ostentation and misery; there are almost no flowers except for those printed on the girls' dresses; however, so many things are blooming there - beuatiful and terrible, red, grey, dangerous and harmless, natural, non-natural, reasonable and incomprehensible - that, even if they dont delight the eyes, one must adress them with regards and giving them names.
sábado, 22 de abril de 2017
terça-feira, 18 de abril de 2017
O Silêncio dos Cordeiros
O rapaz entrou no
ônibus e se dirigiu diretamente a última fileira, avistando lugar
ao lado de um senhor de idade, de cabelos ralos e brancos e pele
escura, que conversava com uma mulher negra sentada num banco
imediatamente a frente. Pediu licença, conforme tomava em mãos a
mochila – volumosa o suficiente para incomodar caso viesse ali
presa as costas - e sentou-se, olhando para moça que mantinha o
rosto virado para trás, uma vez engajada que estava no diálogo com
o homem já descrito.
A mulher, então, olhou
nos olhos do rapaz com tal profundidade, que capturou seu olhar a
medida que entregava a ele também um sorriso. Ele sentiu-se como se
não pudesse mais desvia-lo; sentiu-se deselegante com a simples
ideia de ignorar a atenção que a moça dirigia ao seu rosto, mesmo
que naquele momento as palavras dela ainda tivessem como ouvinte o
senhor ao seu lado. Além do que, tratava-se de um sorriso
verdadeiramente cativante. A medida que as luzes do sol invadiam o
ônibus – por volta das 16 horas, numa tarde ensolarada –
alcançavam a superfície branca dos dentes engenhosamente
enfileirados na parte de dentro da boca da mulher, e eram
imediatamente refletidas aos olhos de qualquer um que se dispusesse a
dar testemunho ao sorriso da moça, cuja beleza tampouco era de se
ignorar.
O olhar dela, então,
voltou ao senhor a quem ela dizia: “Ele sabe de tudo que acontece e
tudo o que acontece, acontece porque ele quer”. Concordava o homem
com um aceno enfático de cabeça, e ela prosseguia: “Não há quem
esconda nada dele, porque ele tudo sabe e tudo vê”. E o homem mais
uma vez confirmava em acordo com a sentença da moça, repetindo
laconicamente o enredo: “Ele vê tudo!”. A mulher se alongava
naquele poema, que agora parecia requisitar dela uma expressão mais
intensa do corpo, que se mexia energicamente conforme ela subia
também o tom de voz: “Ele que tudo pode e que tudo faz, nada faz
que não seja para o bem, e nada quer que não seja o nosso bem!”.
O homem acompanhava como se suas linhas servissem agora de
contraponto as melodias que já se ensaiavam na voz dela: “Ele tudo
pode!”.
Nesse instante, o olhar
da mulher vagava um a um os passageiros do ônibus, encarava aqueles
que se atreviam a olhar pra ela, e se insinuava para aqueles que a
ignoravam. As mãos gesticulavam com o dedo em riste, dando gravidade
às sentenças que proferia e, já ali, se havia perdido a discreção
antes recolhida no diálogo com o senhor. Ela encontrava agora no
ônibus quase cheio uma platéia em potencial.
“A vida é ele quem
dá e é ele quem tira!” - Dizia ela, seguida pelo comentário
abafado do senhor atrás de si: “Ele tudo sabe!”.
Levantou-se, então, de
sobressalto e agregou àqueles versos uma melodia já então
formalizada. Seguiu pelo corredor do ônibus, cantando – e, agora,
mal se ouvia o senhor de idade, que fazia de tudo para que a sua
parte, apesar do baixo volume, mantivesse para com a voz da novissa
uma afinação coerente.
“Ele tudo saaaaabe,
ele tuuudo vêee! Ele tudo poooode e tuuuudo faaaaz......”
Terminou a performance
alogando a nota entoada com a última vogal e fazendo tremer a voz,
vibrando controladamente as cordas vocais. Sem voltar a sentar-se,
esperou pela próxima parada e desceu do ônibus.
O senhor permaneceu,
bem ao lado do jovem com a mochila no colo. Olharam-se por um breve
instante e um silêncio sem jeito tomou forma entre os dois, sentados
lado ao lado, enquanto lá fora, ecoava o ronco barulhento dos carros
e a paranóia ininterrupta da cidade.
Aos poucos, o impacto
deixado pela lírica envagelizadora da mulher se dissolvia nas
conversas amenas que nasciam da composição humana daquele ônibus,
com as pessoas dispostas lado a lado, de uma ponta a outra.
O ônibus parou
novamente e, dessa vez, entrou um homem carregando uma grande sacola,
constituida de numerosas sacolas menores, todas presas a um cabo que
se prendia, no topo, a um gancho. Apoiou a sacola pelo gancho no
corrimão preso ao teto do ônibus e disse: “Senhoras e senhores,
estou aqui para lhes oferecer essa excelente oferta. Cada saquinho
desse contém 10 balinhas de côco: macias e açucaradas, para
entreter a vossa viagem. Mas isso não é tudo” - e fez uma pausa,
certo de que o que tinha a dizer a seguir justificava o drama
acrescido - “São balinhas de jesus! Cada balinha dessa foi
abençoada por Deus-meu senhor-Jesus Cristo. E cada um de vocês que
comprar e chupar uma balinha dessas, será também abençoado por
ele! Isso tudo pela mísera quantia de 2 reais. Dois reais pelo doce
e também pela benção de nosso senhor Jesus Cristo.”
Tirou a sacola do
gancho e atravessou o corredor do ônibus, recolhendo o dinheiro e
entregando as balas às dezenas de passageiros que lhe estendiam as
mãos. Chegou até o fundo do ônibus, onde estavam o senhor e o
rapaz com a mochila no colo. Olhou desconfiado e fundo nos olhos do
rapaz com a mochila e, sem recolher o olhar, puxou um pacotinho de
balas e ofereceu ao senhor ao lado, que estendeu a mão e aceitou sem
haver tirado do bolso uma moedinha sequer. Virou-se lentamente, e
seguiu, descendo do carro no ponto seguinte.
O velho, lentamente,
abriu o saquinho e levou à boca uma bala. Sem dizer uma palavra,
virou-se para aquele ao seu lado e ofereceu do saquinho que tinha em
mãos. O outro fez que não e agradeceu. Guardou ele, então, o
saquinho no bolso e cruzou os braços. Seguiram os dois lado a lado,
ainda em silêncio. Ao rapaz restava a superfície áspera da mochila
a pesar em seu colo e os seus pecados todos, incautos, a pesarem na
consciência. Ao senhor, apenas o doce gosto do açúcar e do côco,
e o balanço do ônibus, ritmado...
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