sábado, 21 de abril de 2012

A prosa do impressionista

Contornos disformes se destacavam nos semitons e nas sombras as quais sugeriam volumes àquelas superfícies que se dispunham num espaço inteiramente constituído de substância viscosa e plasmática. Compreender que alguma diferença de densidade entre duas pequenas massas - que se movimentavam a parte de todo resto substancial presente, num espaço nem definido por um contorno preciso (como um quadro) menos ainda estendido para além de alguns metros quadrados que a consciência menos precisa pudesse perceber – e a massa que as envolvia no espaço seria o suficiente para tomá-las como organismos em desenvolvimento de alguma vida que se situasse ali. Mas isso porque uma tentativa de compreensão como essa ignorasse o colorido efusivo e inquieto que se movimentava dentro das formas. As cores, de todo modo, eram também repletas de alguma vida e se poderia ver nelas também formas se a imprecisão do contorno formado entre uma cor e outra vizinha, muitas vezes gradações sutis de um mesmo tom, fosse deposta por uma visão absoluta em que se veria cada cor como uma apenas, fazendo as manchas que se derramavam em luminosidades contorcidas sobre toda a superfície, e mesmo nas formas avolumadas no espaço tridimensional, se consolidarem em formas concisas e presentes, quando já a tridimensionalidade se dissolveria numa imagem plana e as massas, que antes se personificavam na idéia de um espaço materialmente tangível, se subtrairiam a nada. E se fosse possível imaginar um diálogo que através daquele cenário fizesse falar a personalidade de cada cor-criatura ali depositada ao lado e ao estreito de uma outra - quando já mesmo nem o espaço existisse senão uma malha obturada de criaturas-cor justapostas em um enredo que se desenvolvia conforme as mudanças de posição, sutis em alguns cantos e mais bruscamente em outros – esse diálogo assim se daria, se os ouvidos que ouvissem fossem capazes de traduzi-lo: - Sou! – Disse um vermelho pleno de si e consciente da própria unidade que sustentava sua forma. E, então, de ombros dados a um vermelho vizinho, um tanto mais escuro que ele mesmo, refaria a declaração numa dúvida direcionada ao caro semelhante (completamente outro na homogeneidade estendida da forma, mas repleto de uma natureza similar que o próprio vermelho reconhecia, reconhecendo no outro a presença daquele mesmo vermelho que era ele mesmo em pureza) : - Sou mesmo? – Mas esse outro, que ladeava toda aquela forma central – cujo formato, nunca antes definido numa língua conhecida em apenas uma palavra, é aqui indescritível – em um contorno que parecia repetir, em tamanho ampliado, a forma daquele em seu centro, não lhe deu resposta e se limitou a divagar em uma sentença retórica: - Ah, a dúvida! A eterna dúvida.- A locução se propagou daquelas duas criaturas para as que se dispunham ao redor, alcançando outras manchas ao centro de outras em outros cantos da imagem. Verdade que a cada cor-criatura só era dado ouvir àquela imediatamente ao seu lado, e não fosse por essa razão em um determinado momento seria possível ouvir um burburinho que se inflamava desde aquela primeira questão até derivadas outras que assumiam complexidade em contexto, do mesmo modo como as cores que se movimentavam e davam vida a uma imagem confusa e sem fundo. - Sei que há algo antes de mim e, provavelmente, algo também depois. Não posso ver, tocar, ou ouvir, mas alguma natureza dedutiva de meu intelecto é capaz de supor que se há algo de lado meu e há algo também do outro, deve haver também lados aos lados desses que me ladeiam. – Disse um lilás que formava um anel ao redor de azul estático que se punha dele ao centro em forma elíptica. Enganava-se, pois, uma vez que tal azul que o lilás tomava ser, por razão de um pensamento indutivo (e não dedutivo como ele mesmo pensava), também o lado de fora de um outro dentro estava preso aquele perímetro e ouvia somente a voz de seu amistoso vizinho. E logo se pôs a argüir o azul: - Lado?! Do que se trata? – Nesse momento, o paciente lilás tentou sumariamente explicar àquela ingênua criatura, sem ter acesso ao conhecimento da topologia indivisível daquela elipse: - Quando digo lado me refiro a uma idéia tal como a de posição em que as coisas participam com as outras de uma maneira espacialmente distinta, tal como há uma posição determinada a você aqui e uma outra determinada a outro em posição também outra.- Mas o azul incompreendeu aquela fala uma vez que, não haver tido a experiência de uma situação tal como a que enfrentava naquele momento o lilás, o impossibilitava de dar aqueles termos significantes, significados condizentes com os pretendidos pela subjetividade da cor sua parceira única em uma existência visível e limitada. Ao mesmo tempo que o lilás, não havendo experimentado a posição central daquele azul que estabelecia para esse uma topologia monolítica, era incapaz de conceber tal centralidade e, por isso, incapaz de reconhecer tal realidade mesmo que em palavras a criatura elíptica houvesse vindo a ela dizer. De quando em quando, o movimento das cores se encontrava em uma imagem que fazia lembrar aquela cena primeira em que o aspecto ali visível ganhava materialidade ao dispor de uma substância plasmática que parecia conter aquelas tantas cores, e novamente era possível reencontrar as duas formas distintas em massas sem forma definida que pareciam se movimentar em destaque, fazendo de todo o resto apenas espaço, cenário, paisagem. E também a essas formas seria possível atribuir um diálogo se os ouvidos a espreita deixassem-se imergir no silêncio profundo que se afogava naquele plasma, pois ouviriam não conforme esses modelos emitissem som algum, mas porque seriam ouvidos imersos no absoluto de uma consciência que se desprendia visível, porquer seria uma consciência própria da imagem visível. Diria, então, uma das massas a qual parecia circular ao redor da outra (essa em movimento mais lento): - Comprei um aspirador de pó da Electrolux e uma semana depois o filha da puta já não funcionava mais. Acredita? – No que a massa mais vagarosa respondeu enquanto parecia girar entorno de si mesma – Foda-se! Eu lá quero saber do seu aspirador de pó?! Vai contar essa história pras suas piranhas! Nesse momento, as formas e cores ganharam distância e reconheci-me eu mesmo em posse de visão embaçada e sem definição. Depois de alguns segundos, a imagem ganhou foco e percebi que se tratava da cidade iluminada por sobre um pequeno muro na subida da Rua Joaquim Murtinho em Santa Teresa. Dois homens ganhavam distância subindo a rua e eu, ainda um pouco atordoado, me iniciava num juízo bastante indiscriminado sobre aquela vista, como quem pensasse que um admirar tal como aquele em que eu me investia a uma vista da cidade do Rio de Janeiro à noite fosse mérito particular de uma consciência individualmente determinada e repleta de uma capacidade de juízo singular a que nenhuma outra consciência teria acesso e que, por isso, ao invés do elogio declarado que parecia iminente, deveria eu dar razão ali apenas ao silêncio.

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