quinta-feira, 22 de março de 2012

Humanista demasiado humanista

Brincadeira de criança. Profunda poesia pro tipo de inocente alma que se redime no encanto de imediatia com o outro. Bela figura desenhada por dentro das molduras tortas de um quadro de madeira pendurado sem planejamento na parede da sala. Mas as crianças conservam a mesma crueldade implícita ao instinto que vemos na labuta das Hienas sobre uma carniça tomada a força a outro carnívoro. E nem mesmo o mais insensível humanista será capaz de dizer que não há beleza na visão, de luta e sangue, estampada em uma tela de TV de 40 polegadas, do documentário referente sobre savanas africanas. Também o humanismo tem os seus limites. Ele acaba no ponto justo em que nos exige certa tolerância com as diferenças, certo relativismo de teor cultural, etário, ou inter-espécie. Porque o humanista, quando concede ao leão devorar outro animal sob o rechaço da tolêrencia, ele deve assim proceder: dizer do leão não-humano. Da mesma forma precisa admitir que um paquistanês que submete sua mulher, não estendendo a ela a liberdade que ele próprio garante a si, deve ser visto por certa lente de desumanidade para que não se impute a ele essa condenação que o humanista deve fazer a tudo que, entre os homens, não é humano. Ora, também uma criança aos 5 anos de idade é perdoada pelo tratamento injusto, vexativo e desproporcional de um semelhante sob a máxima tão difundida do "é apenas uma criança", como quem diz na verdade, "ela não é humana, ainda." Mas o perdão é uma virtude cristã e não uma ferramenta humanista. A tolerância por outro lado é o recurso mais a mão para um dessa classe e, no entanto, é fulcro de uma hipocrisia marcada no centro desse culto. O humanista não é tolerante porque é humano, mas porque priva o outro - em seu sentimento de alteridade - desse humanismo que ele mesmo assume ser algo como uma verdade fundamental: o outro, em sua visão, é digno pela falta de humanidade: é digno porque, apesar da indgnidade, não se pode pedir a todos que estejam a par desse conceito difuso e inconstante que é a verdade, que ele mesmo precisa duvidar por força de uma natureza humanista maior que traz ainda em seu bojo uma simpatia acentuada com relativismo. É, então, que o humanismo se perde. Não pode ser humanista se, em seu discurso, o paquistanês e a criança não são tão humanos quanto ele mesmo, insuspeito e incorruptível. Não pode ser humanista se o flerte com certo relativismo o induz a duvidar da verdade que é, todavia, pilar de toda sua razão: todos os humanos são iguais. Torna-se, assim, um demagogo. E ainda hoje as fronteiras que deveriam separar um e outro não são diáfanas e a imposição de um julgamento não pode ser feita com a mesma clareza e infalibilidade com que julgamos e condenamos o autoritário "humanismo" católico durante a idade média.

Pois quanto mais cedo os humanistas perceberem o risco corrente que sua ideologia enfrenta sob a suposta vernaculidade do relativismo em que se deixam confortar-se, serão forçados a tomar partido. Mas que partido será esse? Eis o problema que enfrentarão ainda que tenham ciência das suas limitações. Poderão comprometer-se com o risco do erro, sabendo que sua tolerância é tão parcial quanto uma medida extrema? Resta saber se será capaz de condenar e de que natureza será a condenação. Pois se o humanismo é o que se prega - e se deve pregar - entre os homens, o que será feito daquele que entre esses não é, assim, tão humano? Terá ele liberdade dos predadores na savana africana, ou a restrição de alguns dos mamíferos num zoológico urbano.

Não é a moral que deve conduzir esses homens, mas menos ainda será a falta dela a lhes trazer liberdade.

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