sexta-feira, 2 de março de 2012

Boa praça é praça pública! - Dizia ele.

Certa vez conheci um senhor, bastante respeitável, que atendia pela alcunha de Nogueira. Grande Nogueira! Era assim que eu o cumprimentava nas vezes que ele chegava ao banco da praça onde eu me recostava dia após dia, pois não tinha nada mais o que fazer.

O senhor Nogueira era um homem bastante sério, mas, acima de tudo, era um homem sensato ao extremo. Tão sensato era que eu não pude recusar a concórdia quando ele proferiu numa manhã nebulosa, a sua teoria pragmática sobre a sua sociedade de justiça. Começava assim seu discurso:

- Meu Caro Antunes! Temos que reduzir a sociedade apenas ao necessário, o básico do básico por assim dizer! Falava ele gesticulando grosseiramente como se mo quisesse impor a argumentação a força. Veja só, Antunes! Quantos bares a nossa volta, vendendo salgados e sucos que de tão parecidos não seria possível precisar a procedência se eu vos trouxesse aqui. E pra que tudo isso? Hã?! Por uma variação mínima de preço e de localização, por uma simples questão de mercado. Ande lá! Ao final do dia, são toneladas e toneladas de salgados jogados fora porque a relação de demanda e oferta não pode coincidir. Há sempre o excedente ou a recessão! E não bastasse isso, tem-se essa maldita exigência de alcançar níveis cada vez maiores de oferta e também demanda. É tudo um grande absurdo. -

Eu, do baixo de uma ingenuidade que não me permitiria prever o sopetão da resposta daquele nobre parlamentar, perguntei: - Escuta aqui Nogueira, o que exatamente você está sugerindo?! Que se extinguissem os bares? E onde esse povo todo iria comer os seus salgados engordurados e os turvos sucos que ali se serve?! Acho exagero seu, esse número de tonelada dado ao desperdício que se tem ao fim do dia. Afinal, são apenas alguns bares, seis ou sete, não mais do que oito certamente.

Então, Nogueira arregalou os olhos e eu pude prever a algaravia que me atropelaria por aquele canal. Ele olhou pro céu abrindo os braços como se perguntasse a Deus de onde vinha tamanha estupidez e olhando novamente na altura de meus olhos inseguros, disse-me: - Donde tirastes tamanha estapafúrdia meu jovem? Pensas assim pois tens os olhos fechados para as macro dimensões dessa enorme cadeia a que chamamos sociedade. Temos, por certo, apenas sete ou oito desses bares por aqui, mas ao final do próximo quarteirão somam-se vinte, e mais outro quarteirão quarenta, logo seria possível encher a Lagoa Rodrigo de Freitas apenas com um tipo desses salgados que sobram ao fim do expediente. Que seja um "joelho", digamos, seria uma enorme piscina de massa, queijo e presunto, e a tal tonelada que eu havia cantado te pareceria mingua de um pobre sovina comparada a isso. E quanto a proposta de extinção dos bares, não era exatamente isso que eu tinha em mente. É um fato que as pessoas precisam comer, mas que comam a mesma coisa, no mesmo lugar, e pelos mesmos preços. Ora, o que é bom o bastante para o estômago de um pobre coitado, deve ser bom o bastante para as entranhas de um executivo engravatado. Ou não somos mesmo feitos da mesma matéria? Bastava, então, que existisse por essas bandas um único bar. Melhor, que fosse o tipo do lugar onde se come e bebe, e fosse apenas uma pequena variedade de comidas e bebidas, respeitando assim as variantes alérgicas dos organismos a que se queiram dirigir. Chamar-lho-íamos refeitório, e vá lá! -

Ouvia-o admirado. Quanta eloqüência ele demolhava por entre os pontos e as vírgulas; era, sem dúvida, um orador de boca parruda. Tinha até mesmo a minúcia de salvaguardar os alérgicos em seu projeto. Havia-me, ainda, detalhado seus calculados sistemas de organização responsáveis pelo mínimo de desperdício e o máximo de eficiência. Um pragmatismo admirável para um senhor que trazia sobre o torso um "vistoso" terno que dava, à guisa de um par exagerado de ombreiras, um aspecto um tanto patético a um homem que dizia trazer a próspera solução para um mundo melhor. Mas não um mundo ideal, veja bem! Ele ratificava sempre que podia sua descrença nos modos utópicos que por outras bandas se impregnavam de um discurso batido e ultrapassado sobre mercado livre ou mesmo uma declaração acintosamente cínica sobre as liberdades de escolha em um socialismo como aquele. Sabia dos estorvos de uma sociedade sem tantas variedades, que talvez não fosse possível por lá ouvir Hermeto Pascoal enquanto comesse uma boa rosquinha sabor chocolate, mas que se substituísse a rosquinha por cream cracker e o Hermeto Pascoal desse lugar a uma velha senhora tocando minuetos de Bach ao violino na praça, o que não se poderia admitir era o desperdício e a fome - tudo menos isso.

A sua metodologia não era a torto e a direito como diziam as línguas mais ásperas naquela praça pública. Tinha o encanto particular dos detalhes mais diligentes de sabedoria econômica e social. E resumia-se numa simples assertiva: "Temos que reduzir a sociedade apenas ao necessário, o básico do básico por assim dizer!"

Que belo praça teríamos no comando se o elegêssemos presidente da república.

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