quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O beijo

- Você é a garota mais bonita que eu já conheci – o rapaz disse encabulado, já que a timidez que o fazia comprimir os ombros estava em pé de igualdade para com o desejo que o impelia a fala. A menina sorriu e hesitou responder. Ao mesmo tempo que via como fraqueza a insegurança do rapaz, sentia o lisonjeiro encanto porque houvesse vindo tão cândida criatura lhe dizer aquilo. Timidamente também ela respondeu – Obrigada. Note-se, todavia, que a sua timidez era charme e nada mais.

O rapaz, do outro lado, inflou-se de uma segurança súbita como um botão de rosas que subitamente desabrocha diante das pedras, da terra e de algumas árvores dessas que conservam com o mundo uma percepção estendida pelas décadas e séculos, e levou suas mãos até as mãos da menina, tomando-as aos olhos e, retomando o olhar novamente ao rosto dela, disse-lhe: - Queria poder olhar pra você todo dia, o tempo todo. – a pausa que fez antes de continuar não fez senão dar eco e profundidade às palavras que se iriam seguir – teu sorriso me faz lembrar como podem vir mais belas coisas de uma boca do que palavras.

Não é que a poesia seja para as mulheres, especialmente para as mais jovens como aquela, afrodisíaco mais poderoso que o corpo e os hormônios, mas a vaidade que modula o comportamento feminino mais filistino pede que do outro lado também haja mais composição no trato que o expediente de um beijo tomado à força ou em surpresa. E como os olhos dela agora já eram todos para os dele, o sorriso – que um segundo antes havia sido a tônica e a graça de um encômio insuspeito – dissolveu-se num comprimir de lábios que pedia ao rapaz que avançasse e tomasse em ação a razão de toda aquela empatia. Conforme seu rosto lentamente se aproximava, também o dela fez menção de ir-lhe ao encontro, quando escaparam da boca dele, orgulhoso e impaciente por narrar o momento, as seguintes palavras: “É agora ou nunca”.

No mesmo instante que as palavras vieram ao ar, a menina – de acordo com uma simetria irrepreensível que dava proporção cabível ao demérito do último verso – estendeu às mãos ao peito do garoto interrompendo-lhe o trajeto e inquiriu: - O que você disse? – mas como não fosse necessária a resposta, uma vez que os ouvidos que ouviram com tamanha estupefação aquela sentença eram os mesmos e atenciosos que antes se haviam deleitado com os gracejos e os gabos, declarou sua indignação balançando a cabeça e repetindo duas ou três vezes procurando a entonação adequada – Eu não acredito!

Pois, antes que o menino se pudesse explicar, corrigir ou manobrar sua conduta diante daquele insucesso tão iminente, deu-lhe ela as costas e apenas mais uma palavra – Nunca!

Na poesia, como na prosa, segue que cada palavra – por mais inocente que seja - submete a antecedente; e a frase que se lê ou se ouve num instante deixa para trás no tempo e na memória aquela que lhe precede. Como um cão que farejasse a procura de determinado animal, sentiria seu cheiro mais evidente e presente quanto mais recente fosse ali a passagem do bicho, assim é que um poeta deve encarar seu leitor. Para o caso do cão ser aquele em posse de pena e papel, cumpre que o rastro seja o cheiro que exala do seu próprio rabo e nada mais.

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