quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Chega de bandido pra prender (Eu tenho uma idéia!)

O garoto de óculos carrega sua câmera enquanto procura um ângulo privilegiado para fotografar o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, na Cinelândia. A pele excessivamente branca e o olhar de estranhamento para com seu entorno acusam a procedência do menino: trata-se de um estrangeiro. Com todas essas características que o distinguem da maior parte das pessoas que circulam a sua volta, o rapaz parece um alvo em destaque para um marginal oportunista que o observa há uns 6 ou 7 metros de distância, sentado num banco quase em frente a um restaurante sobre o qual se estende um grande prédio amarelo – o “amarelinho”.

O garoto, apesar da tenra juventude estampada na pele e nas roupas, não é tão jovem quanto se supõe e os auspícios de uma percepção que se molda sobre seus sentidos, bastante acima da média, parece indicar a ele que o marginal o irá abordar em alguns segundos. Não há nada a temer - pensa o rapaz. Na mão uma câmera profissional que se apoia sobre o pescoço com o artifício de uma fita, talvez seu maior patrimônio naquele contexto; na carteira, algumas dezenas de dólares se misturam a três notas de 50 reais, dinheiro pouco importante para ele que vê a vida muito além dos luxos e prazeres proporcionados pelo dinheiro; e no bolso, bem ao lado da carteira, um passaporte onde se atesta seu mais distintivo caractere – seu nome. Parker, conforme ele o apresentou mais cedo ao recepcionista do hotel onde está hospedado em Copacabana, - Peter Parker!

Ora, já quando o marginal o alcançava com olhar imperturbável há uns 3 metros de distância, se dirigindo para uma abordagem seca e intimidatória, o jovem com a câmera antecipava cada passo seu e considerava 72 maneiras distintas de imobilizar o algoz, cada qual acompanhada de uma frase jocosa ou uma tirada bem humorada, marca registrada dessa virtuosa criatura que vivia sob a identidade de um jovem fotógrafo, embora nem tão jovem e bem menos virtuoso no emprego que oficiava com máquina que na chancela de um herói popular e de humor característico que era quando do uso de uniforme e máscara.

- O uniforme e a máscara! - Pensou consigo contrariado. Não os havia trazido e qualquer manobra que tivesse em combate de seu iminente inimigo o faria sucumbir a uma exposição imprópria e indesejada. O marginal se parou ao seu lado e mandou essa: - Ôh gringo! Passa a carteira e os dólar! – e como seu interlocutor houvesse demorado em menção a entregar-lhe, repetiu com ares de bandoleiro poliglota: - Vamo logo senão te furo todo! Give the wallet playboy!

Sentia-se agora impotente mesmo sabendo-se capaz de levantar aquele criminoso com uma das mãos, pular sobre sua cabeça e puxar-lhe por trás a cueca (fazendo dela uma algema ou uma camisa-de-força) ou imobilizá-lo quase instantaneamente com uma de suas teias projetadas a partir dos punhos apenas com um posicionar estratégico dos dedos e da palma. Como o bandido não lho requisitasse a câmera, e tomando por medida a insignificância do dinheiro que recheava o objeto em demanda, puxou do bolso a carteira e entregou àquele sujeito mal vestido, sujo e com a barba por fazer já há pelo menos 6 meses. Ali não se demorou o meliante que, ignorando a câmera que agora pendia do pescoço do gringo, partiu em retirada numa passada calma e irreverente (a “ginga brasileira” como lhe diria mais tarde um policial para o qual relatasse a ocorrência nosso herói reticente).

Os 15 minutos que se seguiram àquele roubo foram os piores da vida recente de Peter Parker, que se sentindo impossibilitado de exercer seus domínios e talentos na prática da justiça, conforme entendia ele assegurando a necessidade de restituir à vítima os bens perdidos e entregar os infratores à punição e ao trato policial, teve vontade de correr atrás do ladrão e espancá-lo até que suas mãos brancas sem uniforme cobrissem-se do vermelho do sangue do homem, como um tecido vivo que se lhe moldasse na forma exata das mãos. Entretanto, no instante em que esse pensamento lhe tomou em assalto, logo lhe veio à cabeça a imagem de Venom e Carnifícinia (dois antagonistas seus que tinham por traço justamente essa flexibilidade como de uma vestimenta de lycra ou helanca que tomasse com perfeição a forma do corpo fosse este o de um esbelto guri ou de um mórbido obeso a segurar um hambúrguer em cada uma das mãos) e seu ódio logo deu lugar a um sentimento mais brando, resignado. Tomou em orientação relativista os problemas sociais que afligem aquele país e, por certo, justificavam violência daquela natureza.

Mas o consolo maior e, talvez, o único pensamento que lhe possibilitou abandonar aquele rancor e a frustração que pouco antes se fizera conforme neblina sobre o seu próprio caráter foi a idéia de que, se Peter Parker se dera ao despojamento de uma ou duas semanas ausente das funções e da rotina que o submetiam a empenho e preocupação constantes em sua cidade de origem, seria impendente e indispensável que também o homem-aranha tirasse alguns dias de férias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário