A realidade é um
sentimento ao redor do qual posiciono as coisas que vejo, que ouço e
ignoro. Eu sinto o meu corpo, em toda intangibilidade do tato, sinto
a cada instante estas células que se comprimem a dar volume a essa
forma, que suponho seja como uma linha seguindo por todo e cada um
dos pontos dessa epiderme que encontra seu sentido mais diligente no
contato com o ar . Exceto pelas solas dos pés, que sentem sobre si o
corpo todo, esse emaranhado de células ao mesmo tempo tão estranho
e tão íntimo a essa consciência que os reconhece e os dá unidade.
O rúido cumpre, da
mesma forma, um desenho sonoro em vista de um objeto que, da ponta
dos dedos ao couro cabeludo, também ouve. E elabora a compreender
que à imagem que avança a partir de um objeto qualquer fora de si
pertence também uma voz. Tal é a conversa silenciosa que a
consciência do corpo trava com o mundo. Ao mesmo tempo os conecta e
os separa, como a pontuação sintática de um parágrafo cheio de
ideias a comunicar.
O corpo é; e assim
permite a todos os outros corpos que sejam; e pede gentilmente ao
espaço que não seja; ao silêncio que negue; e à ausência que
ignore. Encontram todos seu lugar no mundo, esse cômodo tão
estreito que contém apenas o que se sente, se ouve e se vê, mas
nunca além das bordas desse campo sem dimensões que o corpo lhe
empresta. Damos a ela um nome e, prontamente, ela é também. A
realidade. Ai de quem duvide!
Ainda assim, nada
explica o prazer ou o desgosto. Pois o juizo é uma fantasia absurda.
A ele não importa quem seja e quem seja ausência. E o corpo é dele
refém, a todo instante que é de si consciente. Sente o frio que
congela a pele, mas gosta. Sente o aroma do café ebulindo e, no
entanto, detesta. Não importa o que seja a realidade, cabe sempre ao
juizo uma nota de aprovação, um valor-sentimento, uma legenda,
resumindo tamanha complexidade a um capricho deliberado.
E tudo mais - tempo
e espaço e essência - não tem em si outro significado que não o
de serem, em dado instante, de um juizo objeto. Diga-me o que
quiseres do tempo, eu te direi como me sinto a respeito. Descreva-me
o mundo pelas lentes da mais meticulosa ciência e, ainda que eu nada
compreenda, terei uma nota de gosto a dar. Porque meu acesso ao mundo
não se dá pela pele, pelos olhos ou pelos ouvidos. Também não se
dá pela palavra – essa que tão frequentemente nos entorta os
sentidos. O mundo é, afinal, a voluntária e inegociável constante
de um nele sentir-se como deveras se sente.
O átimo, o íntimo
e o étimo, de todo modo, são todos ótimos.