Aquele era um escritor
cansado da poesia. Cansado dos lirismos e da música que invadiam as
letras e faziam o leitor desarmado esquecer que era a vida real
aquilo que lia; que era seca, amargurante a notícia e que, repleta
das futilidades, faziam-no uma vez mais virar os olhos para o sem
importância ou o insignificante. Aliás, quando foi que a poesia
descreveu tão bem a realidade, que fosse possível vê-las ao mesmo
tempo, uma na outra, poesia e realidade? Seguindo essa pergunta sem
resposta, ele definia agora, para ele mesmo, que nenhuma outra forma
de escrita estaria justificada que não o grafismo da literalidade
que o impendia no peito e nos olhos, diante de si no mundo; assim
também seria no papel a sua frente, pois tudo o que, a partir dali,
escrevesse, seria como os gritos de um animal em sacrifício, falando
sua dor diretamente aos ouvidos presentes, pedindo clemência ao seu
executor; ou como fotografias frontais de rosto em 3 por 4 dando como
prova de existência de um rosto nada mais do que aquilo essencial;
ou, ainda, como as pinturas de Lascaux, representações tão reais
que o homem moderno não pôde enxergar nelas o computo de um
pensamento inventivo ou a falácia de ficção mitológica alguma.
Sua primeira noticia
estava ali, diante de si, crua como deveria ser a sua própria
linguagem e assim ele seguia dando nota ao caso de um acidente que
deixara orfã uma menina de 9 anos, quando a mãe, de quem dependia
seu sustento e criação, morreu tragicamente eletrecutada por um
cabo de alta tensão partido e mergulhado numa poça d´água no
caminho da pobre mulher.
Teria continuado a
descrição da notícia e concluído a nota de falecimento se não
houvesse entrado em êcstase após ler aquelas duas palavras que
apareceram em seu texto, retumbantes; ao mesmo tempo infâmes e
plenas de vigor estético. A história que seguia curso nos fatos não
tinha, para ele, ali, o sabor e a medida, inconciliáveis, daquela
expressão de costume: “morreu tragicamente”. Haveria se sentido
culpado por se prestar a uma experiência estética tal como aquela,
não fosse a contradição tão absurda das palavras, que deveriam
dar o tom brutal de terror, serem justamente aquelas que davam beleza
mais viva ao texto.
Percebeu que seria um
jornalista desumano se desse destaque aquelas duas palavras, deixando
como pano de fundo o desamparo da menina cuja mãe havia acabado de
falecer. Mas ao esteta, a notícia era em si apenas um adorno
protocolar, um melisma costumeiro, pois era o efeito sonoro daquela
expressão que fazia seu texto ecoar por trás dos olhos de quem lia.
Concluiu sua obra,
então, com um título que dava novo sentido aquele texto conciso
que ele recortou delicadamente da notícia lançada, agora, à gaveta
– e assim ficou eternizada sua obra, na forma de uma crônica
melancólica ou poesia incisiva, conforme a disposição e a
psicologia particular de quem lesse:
“Vítima de um
encanto fatídico: Morreu tragicamente.”
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