sábado, 7 de julho de 2012

Dinheiro é nome próprio ou O nascimento da tragédia


Numa rua antiga no atual centro do Rio de Janeiro, a iluminação insuficiente, ainda que elegante, pairava sobre dois homens a conversar em tom amigável. O primeiro, mostrando ao seu interlocutor uma arma, orientava este sobre os dispositivos mecânicos através dos quais a arma dispara, desde o percutir do “cão” sobre a parte de trás do cartucho, fazendo arremessar um projétil em alta velocidade capaz de perfurar  com alguma facilidade o corpo de um homem, até às implicações do manejo e os riscos, para o próprio manuseador, por desconhecimento técnico e utilização imprópria do objeto. Disse ele:

- Como podes ver, tal engenho é justificativa razoável ao menos, embora talvez não tão nobre, para que façamos dar seguimento ao roteiro no qual você me entrega o dinheiro o qual dispõe na carteira, e eu me encaminho na direção contrária a sua, logo após a transação concluída.

O segundo homem, que ouviu com interesse ímpar as descrições técnicas e a lógica irrefutável da conclusão daquele exímio “negociante”, interpelou-o com ares de leigo, mas antes sem deixar de mostrar algum respeito pelo domínio e conhecimento que o outro possuía sobre o seu artifício:

- Mas isso é mesmo capaz de perfurar o corpo do um homem? Digamos que o homem tenha tônus muscular acima da média, ainda assim seria essa arma capaz de perfurá-lo desta distância em que nos encontramos um do outro? E, afinal, tendo o corpo perfurado por um projétil tal, como o que você menciona, poderia esse homem morrer em decorrência disto?

Neste momento, o senhor com a arma olhou para o chão, estabeleceu o rosto em uma determinação fisionômica que o fazia parecer pensativo e, calmamente, apresentou suas considerações sobre a pergunta do outro:

- Bom, não tenho dúvidas de que, a essa distância, mesmo o homem cuja densidade muscular seja bastante acima da média, teria seu corpo perfurado por um projétil como o que se encontra nesse momento engatilhado neste pistola. Embora, atingindo em seu trajeto, quem sabe, um osso, poderia ser o caso do projétil não atravessar todo o corpo no caminho em que se conduzia. Se tal perfuração, de todo modo, seria causa mortis nos termos que tomo da tua questão, isso me parece um tanto mais difícil de prever. De fato, tal conseqüência dependerá de inúmeros fatores que não posso calcular com precisão antes do fato decorrido, mas creio que numa escala de possibilidades, tendo em vista as condições que se nos apresentam neste momento, considerando a figura do senhor mesmo como do dono do corpo a ser perfurado, acredito ser muito provável uma morte decorrente deste possível disparo.

Apenas depois da resposta e após considerar os possíveis danos em detrimento da quantia que trazia acumulada na carteira, o homem dirigiu ao bolso as mãos e de lá puxou, também calmamente, a carteira em couro marrom da qual retirou a quantia de cento e cinqüenta e oito reais, sendo entregue ao senhor com a arma em três notas de cinqüenta, uma de cinco, uma de dois, e uma pequena e reluzente moeda de um real. O homem tomou o dinheiro na mão que permanecia vazia, a mesma mão que o artista usou para indicar as partes e os movimentos das peças da arma naquela sua descrição feita sobre os mecanismos desta, contou com aqueles olhos interessados e matemáticos de quem tem em mente as necessidades e desejos que lhe regulam o consumo, e concluiu não ser necessária a moeda que lhe havia sido entregue pelo agora pobre camarada, que apesar da pobreza agora evidente no esvaziamento sumário de sua momentânea fortuna, trazia ainda sobre a cabeça uma cartola, mantendo ares de aristocrata em concordância com o fraque que vestia e a gravata borboleta que se enrolava em seu pescoço.

Ao ver o diplomata afastar-se com o dinheiro que, alguns minutos antes, guardava sob sua tutela, concluiu em voz alta, projetando ao vento e ao espaço desabitado a sua volta as palavras que seguem:

- Se é mesmo verdade o que me dissera aquele astucioso cavalheiro, e dispositivo tal como o que trazia em mãos é mesmo capaz de perfurar o corpo de um homem, situando-o numa escala de possibilidades em que a morte é uma conseqüência provável, deverei eu mesmo utilizar as posses de que ainda disponho, em casa o no banco, em aquisição de modelos como aquele. Dispondo ainda de homens instruídos no uso e funcionamento da ferramenta, que receberão justo valor pelo cumprimento da atividade que seguirá, posso recuperar o dinheiro investido nas armas, além desses cento e cinqüenta e sete reais que acabo de pagar ao senhor pela lição e pela idéia.

O inspirado cavalheiro, então, levantou a cartola com uma das mãos enquanto alisava o cabelo com os dedos da outra, e tornou a posicionar o chapéu sobre os lisos fios daquela iluminada cabeça.

Naquele mesmo dia, um pouco mais tarde na noite, o homem pensou e repensou, desenhou digramas e esquemas, elaborou fórmulas, calculou todo o processo, definiu e tomou nota:

- Chamarei, a esta atividade, comércio!   
            

2 comentários:

  1. Voce ja pensou em pegar esses contos dar uma formatada e por como ebook na Amazon.com?

    ResponderExcluir
  2. Cara, esses textos tão disponíveis de graça na internet, por que alguém vai pagar pra ter eles numa versão digital?

    ResponderExcluir