Numa rua antiga no atual centro do Rio de Janeiro, a iluminação
insuficiente, ainda que elegante, pairava sobre dois homens a conversar em tom
amigável. O primeiro, mostrando ao seu interlocutor uma arma, orientava este
sobre os dispositivos mecânicos através dos quais a arma dispara, desde o
percutir do “cão” sobre a parte de trás do cartucho, fazendo arremessar um projétil
em alta velocidade capaz de perfurar com
alguma facilidade o corpo de um homem, até às implicações do manejo e os riscos,
para o próprio manuseador, por desconhecimento técnico e utilização imprópria
do objeto. Disse ele:
- Como podes ver, tal engenho é justificativa razoável ao
menos, embora talvez não tão nobre, para que façamos dar seguimento ao roteiro
no qual você me entrega o dinheiro o qual dispõe na carteira, e eu me encaminho
na direção contrária a sua, logo após a transação concluída.
O segundo homem, que ouviu com interesse ímpar as descrições
técnicas e a lógica irrefutável da conclusão daquele exímio “negociante”,
interpelou-o com ares de leigo, mas antes sem deixar de mostrar algum respeito
pelo domínio e conhecimento que o outro possuía sobre o seu artifício:
- Mas isso é mesmo capaz de perfurar o corpo do um homem?
Digamos que o homem tenha tônus muscular acima da média, ainda assim seria essa
arma capaz de perfurá-lo desta distância em que nos encontramos um do outro? E,
afinal, tendo o corpo perfurado por um projétil tal, como o que você menciona,
poderia esse homem morrer em decorrência disto?
Neste momento, o senhor com a arma olhou para o chão,
estabeleceu o rosto em uma determinação fisionômica que o fazia parecer
pensativo e, calmamente, apresentou suas considerações sobre a pergunta do
outro:
- Bom, não tenho dúvidas de que, a essa distância, mesmo o
homem cuja densidade muscular seja bastante acima da média, teria seu corpo
perfurado por um projétil como o que se encontra nesse momento engatilhado
neste pistola. Embora, atingindo em seu trajeto, quem sabe, um osso, poderia
ser o caso do projétil não atravessar todo o corpo no caminho em que se
conduzia. Se tal perfuração, de todo modo, seria causa mortis nos termos que tomo da tua questão, isso me parece um
tanto mais difícil de prever. De fato, tal conseqüência dependerá de inúmeros
fatores que não posso calcular com precisão antes do fato decorrido, mas creio
que numa escala de possibilidades, tendo em vista as condições que se nos
apresentam neste momento, considerando a figura do senhor mesmo como do dono do
corpo a ser perfurado, acredito ser muito provável uma morte decorrente deste possível
disparo.
Apenas depois da resposta e após considerar os possíveis
danos em detrimento da quantia que trazia acumulada na carteira, o homem
dirigiu ao bolso as mãos e de lá puxou, também calmamente, a carteira em couro marrom da
qual retirou a quantia de cento e cinqüenta e oito reais, sendo entregue ao
senhor com a arma em três notas de cinqüenta, uma de cinco, uma de dois, e uma
pequena e reluzente moeda de um real. O homem tomou o dinheiro na mão que
permanecia vazia, a mesma mão que o artista usou para indicar as partes e os
movimentos das peças da arma naquela sua descrição feita sobre os mecanismos
desta, contou com aqueles olhos interessados e matemáticos de quem tem em mente
as necessidades e desejos que lhe regulam o consumo, e concluiu não ser
necessária a moeda que lhe havia sido entregue pelo agora pobre camarada, que
apesar da pobreza agora evidente no esvaziamento sumário de sua momentânea
fortuna, trazia ainda sobre a cabeça uma cartola, mantendo ares de aristocrata
em concordância com o fraque que vestia e a gravata borboleta que se enrolava
em seu pescoço.
Ao ver o diplomata afastar-se com o dinheiro que, alguns
minutos antes, guardava sob sua tutela, concluiu em voz alta, projetando ao
vento e ao espaço desabitado a sua volta as palavras que seguem:
- Se é mesmo verdade o que me dissera aquele astucioso
cavalheiro, e dispositivo tal como o que trazia em mãos é mesmo capaz de
perfurar o corpo de um homem, situando-o numa escala de possibilidades em que a
morte é uma conseqüência provável, deverei eu mesmo utilizar as posses de que
ainda disponho, em casa o no banco, em aquisição de modelos como aquele.
Dispondo ainda de homens instruídos no uso e funcionamento da ferramenta, que
receberão justo valor pelo cumprimento da atividade que seguirá, posso recuperar
o dinheiro investido nas armas, além desses cento e cinqüenta e sete reais que
acabo de pagar ao senhor pela lição e pela idéia.
O inspirado cavalheiro, então, levantou a cartola com uma
das mãos enquanto alisava o cabelo com os dedos da outra, e tornou a posicionar
o chapéu sobre os lisos fios daquela iluminada cabeça.
Naquele mesmo dia, um pouco mais tarde na noite, o homem
pensou e repensou, desenhou digramas e esquemas, elaborou fórmulas, calculou
todo o processo, definiu e tomou nota:
- Chamarei, a esta atividade, comércio!
Voce ja pensou em pegar esses contos dar uma formatada e por como ebook na Amazon.com?
ResponderExcluirCara, esses textos tão disponíveis de graça na internet, por que alguém vai pagar pra ter eles numa versão digital?
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