terça-feira, 11 de outubro de 2011

Carta ao amigo.

Aterroriza-me ler a tua crônica, talvez porque a vida que dela emana seja a mesma que em mim espreita.E embora eu sinta por você o silencioso agudo do insatisfeito, no qual a triste figura de um não-herói se deita, não sou o demagogo que lamenta pelo outro o tom obtuso do seu imperfeito. Preocupa-me mais que qualquer nota sua, a derrota semi-nua de minha quão patética tentativa de alcançar êxito. São essas as minhas vãs moléstias, mortificantes a cada pensamento baixo de que eu não deveria ser tão egoísta ou que, apesar da menor conquista, eu não chego ao cume e nem mesmo o vejo, pois o mais sutil desejo já me encobre essa tão cansada vista. Ah, caro amigo! Há muito tempo já somos capazes de entrever o surdo pesar dessa custosa rotineira."Foda-se a poesia", você me diz com graça. A que faz rir, no entanto, não é a graça santa do rebelde encanto."Foda-se também essa!" Incisivo e direto como, assim, supõe o desiludido obreiro. Faremos tudo do jeito pouco nobre que compõe nossas pouco honrosas novas aspirações, sem mais o assumido desfastio daquelas velhas ingênuas canções. Só a nossa raça escrota, um tanto burguesa, e se cheia de éticas, cheia mais ainda de novas considerações. Pois sabemos, malgrado o emergente mérito que atribuimos a esse conhecimento, que não somos novos. Somos, sim, os velhos usos de nós mesmos, que nós mesmos renovamos como quem renova as cordas de um violão quebrado. Mas, enfim, percebemos ser o claustro dessa dissonância a metáfora crônica de uma necessária mudança. Deveríamos ter crescido. Envelhescemos apenas.

Agora, resta o desgaste que nós fazemos regar como quem trata uma violácea aldracema que cresce junto a pouca luminosidade no jardim improvisado no apartamento empoeirado, entre uma garrafa de cerveja vazia e a sujeira de três dias passados. Resta também esse fundo raso de uma singela poesia que entrecortamos como a deliciosa torta de limão que à geladeira decompõe-se através dos dias, pois, sozinho que estamos, só comemos pedaço a pedaço. São pequenas colheiradas que nos fazem reis e não duram mais que alguns curtos minutos. Voltamos a desgraça da boca vazia tão logo a tevê nos anuncia. Anuncia-nos, em todo caso, que jamais seremos por ela anunciados. Chamamos então o cotidiano de prosaico. Fica mais fácil, assim, ler o assombroso e megalomaníaco que nos estampa a prateleira sem acharmo-nos, contudo, criaturas meras e insignificantes. Comparamos às deles, nossas vírgulas, nossos pontos. E, ainda que cheguemos a patente conclusão de que diferem apenas pelo empenho dos inalcançáveis anos, que nos remediam a ignorância com novas e vulgares peças; com frases súbitas na nova arte dos segundos e da pressa, são, ainda assim, vírgulas e pontos mais brilhantes que os nossos mais mirabolantes textos. Tem as pausas e os acentos mais capazes de introduzir-nos ao júbilo que as sintaxes mais profundas e desesperadas que possamos dar ao apelo de uma tão ignorante alma (como também é a nossa). Então, "foda-se". Diz-nos o que, entre nós mortais, mais se apega a imagem que desenha o espelho. Pois pior que entre os rosas parecer vermelho é pintar a cor mistral de um poeta eleito, num retrato de um pano sujo ou de uma suja flanela feito.

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