„Preciso me
encontrar“, disse Cartola enquanta narrava as imagens de um
movimento contínuo, „por aí, a procurar“, „deixe me ir,
preciso andar“. O sol, os pássaros com seus cantos únicos e
variados na medida mesma das variedades dos espécimes a cantá-los,
as águas dos rios sempre em marcha tal que nominamos seu movimento
como o movimento de pernas humanas em ação.
E, no entanto, o „eu“
que procura, ao mesmo tempo sujeito e objeto da ação, não faz mais
que anunciar a medida imanente de seu isolamento. Todas essas imagens
de uma natureza magnífica que o cerca são externas a ele; a cada
passo dado, afastam-se. E no espaco agora ocupado, só um corpo. Seu
próprio corpo a servir-lhe o encontro em vista. Mas o encontro não
vem e a procura continua, porque a irremediável razão dos sentidos é
vagar pelas coisas mesmas sem nelas, contudo, habitar – ainda que a
percepção seja a do próprio corpo que percebe, porque ninguém –
absolutamente ninguém – pode desfrutar do luxo de ser sujeito e
objeto, ao um mesmo tempo, da ação do encontro. Como os polos invertidos de dois ímãs: um
que empurra e o outro que é empurrado. Encontrar não é verbo
reflexivo, não pode ser. A necessidade deste sair vagando é apenas
desculpa (mentira que um diz a si mesmo, por que „mentir“ sim é
ação em que se permite o sujeito ser também objeto), mera desculpa
para mover de lugar esse corpo, que não suporta a constância de ser
– ser o tempo todo – e não saber exatamente o que se é.
„Eu quero nascer,
quero viver“. O sujeito que não se conhece e sendo impossível
conhecer-se de fato, clama pelo próprio nascimento e pela vida
própria. É pois nas imagens em movimento do mundo – que espelham
o movimento de seu próprio corpo – que essa vida ganha contorno.
Mas é sempre e apenas uma vida em retrato: „rir para não chorar“
- Nós a aceitamos assim, porque entre a dor e a dúvida, escolhemos
a dúvida, sem saber que é a dor, e somente a dor, que pode o „ser“
presentificar. A dúvida é, como o corpo que vaga e sempre a ele
paralelo, um justificativa branda mas opção que se renova a cada
passo... Vou por aí a procurar, não sei o que exatamente, mas
deixe me ir, preciso andar, até que um dia não mais: e damos um
nome ao „encontro“, um nome terrível, mas um nome. Pois é um
nome, acima de tudo, o que todo sujeito merece.