“I want you to
panic. I want you to feel the fear that I feel everyday. I want you
to act.”
Essas palavras
saídas do discurso de uma menina sueca de 16 anos expressam a medida
exemplar do nosso sistema de circulação de imagens e ideias. Uma
pessoa, individualizada ao máximo no nome e na imagem do herói
inocente e puro, aqui feito heroína (o que apenas convoca mais um
elemento nessa dimensão libertadora da redenção), vem ao mundo
dar sua mensagem – parece que até aqui a mensagem não havia sido
dada com essa ênfase ou essa clareza. Não é, no entanto, uma
mensagem de “esperaça” dirá ela, mas uma mensagem de desespero,
conclui, para logo depois assoprar a ferida. “Mas ainda há
tempo!”. Ela quer que você sinta o medo que ela sente todos os
dias. O medo dela é real, não se engane, mas é somente o medo que
ela conhece. Há uma semana uma menina de 8 anos chamada Ágatha era
baleada e morta no Rio de Janeiro. O que uma coisa tem a ver com a
outra? você vai perguntar, com criticismo justificado. As tragédias
em questão não se anulam, nem se sobrepõem, é verdade. Mas eu as
coloco aqui lado a lado, apenas para dar a você a dimensão abstrata
do medo que ocupa a consciência da ativista sueca. Sim, é um medo
abstrato, apesar de real, porque é um medo refletido, é um medo
alimentado por uma consciência inclusive política; uma consciência
que reconhece responsabilidade - uma responsabilidade moral sobre o
futuro da existência humana, civilização. Não é o medo da arma
do policial que espreita na esquina, pronto para atirar em qualquer
um com a pele mais escura. É o medo abstrato de alguém privilegiado
o suficiente para achar que seu medo tem o rosto e a dimensão do
problema mais global e mais urgente.
Por que é o medo da
menina sueca que ganha mundo? Porque ali se encontra a figura vestida
do nosso sistema de circulação de imagens e ideias. O mensageiro
traz um grito que convoca a luta, como ele mesmo faz, com seu olhar
que se alterna entre o papel que lê a sua frente e a plateia em
silêncio ao redor. A seriedade não poderia ser mais real, porque
não é o produto de uma dramatização fictícia, é real como a
menina e o seu medo. Ela quer que você aja, como ela está agindo (o
termo ativista não está a disposição por mera coincidência, e
aqui eu uso a palavra agir e não atuar para que você não confunda
uma arte com a outra). Mas nas palmas alçadas e no alívio da tensão
muscular depois da fala, o espírito de luta se dissolve – os
gregos chamavam a isso de catarse. Ainda que o agir e o atuar sejam
os empenhos de duas profissões distintas, o resultado final aqui é
o mesmo.
O medo continua lá,
mas ele estará adormecido enquanto a menina dorme, enquanto você
trabalha, enquanto eu confecciono o meu texto, enquanto – em resumo
– cada um de nós exerce a individualidade de uma existência
reverênciada por esse espírito liberal que nos alimenta e que nós
alimentamos. A menina usa o termo homo sapiens, em todo caso.
Pedindo - com a consciência de quem sabe o exato significado das
palavras que fala - uma identificação como espécie entre esses
indivíduos dispersos que somos, mas não percebe que é a sua
própria imagem que nos impede de identificarmo-nos. Uma imagem do
indivíduo privilegiado das celebradas e minoritárias democracias
europeias. A classe média daqui, quem sabe, poderá vir a se
identificar com ela, mas não é essa classe (acostumada a certo
conforto) que vai dar significado algum para o que a menina, de fato,
quis dizer com “eu quero que você aja”. O meu respeito e
admiração por ela é grande, inclusive na medida da ingenuidade e
inocência daqueles que acreditam que ela é o anúncio de uma
mudança. Você precisa lembrar - o tempo todo, se possível - que
quem colocou (permitiu, pelo menos) ela ali para falar foram os
mesmos agentes que deram um púlpito e um microfone para o presidente
em exercício dessa nação em pedaços falar na ONU. Ela quer que
ajamos, mas eu pergunto: não estamos todos agindo? Ou estamos apenas
atuando? Depois de assistir 2 horas em sequência em filmes e
seriados no netflix, impossível não conservar a impressão quase
permanente de que a vida é uma obra de ficção.