sábado, 28 de novembro de 2020

Sobre o conceito de Liberdade






Lavando a lentilha antes de cozinhar. Três grãos caem da cumbuca, depois mais dois. Pego os cinco grãos e os devolvo ao recipiente junto aos outros, como se não havendo nenhuma condição hierarquica entre os grãos, cada um deles deveria valer o que valem os outros. Mas o valor de 1 em referência ao valor dos outros, não perde importância pela diluiçao de seu valor mediante o valor da soma de todos. Mesmo em matemática, a variável não se define pelo seu valor quantitativo diluido no conjunto dos valores da equação - a variável é um lugar de direito, que qualquer número poderá assumir uma vez ali posto, e em nome de uma suposição requisitado. A variável é uma ideia, mais que um número.
 
Antes de levar as lentilhas a panela, percebo que há ainda 1 diminuto grão num canto da pia. Preciso tomá-lo em mãos e entregá-lo ao conjunto ao qual pertence. Mas a preguiça é também matemática e põe em questão se a proporção material com que o esforço empenhado para aquela ação se veria justificado pelo retorno prático dela, no caso, 1 único grão de lentilha. Mas a consciência é moral e não matemática, tão pouco é a consciência uma burocrata ou pragmatista recorrendo ao expediente prático de suas justificativas. A consciência do disperdício é a consciência do esforço coletivo que proporcionou aquela abundância material que é a cumbuca cheia de lentilhas. Em seu axioma, se instaura a primeira lei derivada: a ideia de que o valor de 1, sendo exatamente o mesmo (em parâmetros quantitativos de alguma natureza) é a condição para o julgamento do valor de todos, e cada 1. O esforço de cada 1 tem medida párea no esforço de cada outro. Como, então, aceitar, sob o envólocro da preguiça ou da ganância ou de um narcisismo de quaquer espécie, que um grão de lentilha, único que seja, seja desperdiçado? O homem é a lentilha da sua própria cumbuca, um único grão, de cores e formas parcialmente distintas, mas incrivelmente assemelhadas à média das cores e formas de todos os outros. Não há valor de um sem o valor de todos, mas também não há um valor do todo se se recusa valor a um único deles que seja.
 
A consciência é quem move a mão que se estica para alcançar o grão descuidado. É também ela quem move a comida à boca, permitindo o suprimento do estômago em sua labuta, e depois dele do intestino, delgado, grosso... Cada órgão dispõe de sua própria consciência e fará cumprir sua ação em acordo com essa lei universal que é: SOMOS PARTES DE ALGO MAIOR QUE NÓS MESMOS, mas somos também o que somos."

domingo, 27 de setembro de 2020

The containing sorrow

 

Kreuzberg Merkezi – It's stamped on the façade in the annex over the street connecting the two buildings, leaving passage underneath to the cars, which, however, need to give preference to pedestrians, who walk around and across one side to another on the street, as the repeated white marks in the asphalt below their feet indicate. 

Kreuzberg Zentrum,  says the translation to the previous expression, and It will be seen on the other side as the passerby turns its neck behind and above, while follows its path across this gate desguised as building, that gains a name as soon as the fellow understands its actual location: Kottibusser Tor.

A car and a bycicle approach the gate, reducing the speed when they take notice of a man, in the middle of the street, right beneath that gate, who slowly wobbles and stumbles with an empty bottle in one hand, while the other gesticulates as if confronted an invisible interloctutor. 

A lather jacket (synthetic, most likely), enough for the mild cold which had been down that night – and a high and tight haircut, nothing different from the current dominant masculine fashion trend, giving that figure some sort of class inespecificity, while the skin colour, facial features and beard would suggest one that could easily subscribe to a particular ethnic estereotype.

He hurls to the ground the empty glass bottle, which shatters at the same time that the hand articulates a conclusive performance following the throwing movement, as to declare the inexcusable intentionality of the gesture; as he had hurled a molotov cocktail prepared in a Sternburg bottle.

The glass, breaking at the very moment it touches the floor, is a hostile announcement; a note to those who would come later to be remembered of the scene they never really saw, except for the broken pieces left in place, as minor obstacles to their feet or wheels. 

But what exactly it's being announced there? 

Maybe the inconvenience of the liquid abscence, the liquid the man with the empty bottle had drunk minutes earlier? 

As if the bottle could be pledged guilty for its own emptyness, and its hardness exposed by the impact against the ground were to be both setenced punishment and a statement for its current uselessness... 

Or the agression was to be directed to the asphalt, the main representative of a system stitched through and around big concrete structures all over, because the man with the empty bottle were a victme of this same system, now somehow conscious of the unyielding field of determinations to which he was subjugated, and ready to get to this exact instant, a moment of open grievance? 

As a neglected human being on that cold night, while some others placed their enormous glass mugs over a coaster in which one could read a message claiming for civil desobedience of any nature. Even if in the most banksian way of an imaginary molotov cocktail throwing man. 

If one in confrontation with this question had access to the private content of the man, subject of one's attention, one would know the particular reason for that attitude, who knows, a bad day, a spontaneous insatisfaction, a broken heart... Because a subject, whoever they are, contains way more than the narrow frames of my observational remarks.

The others around keep silence for a brief moment when hearing the bottle to burst on the ground. The performance of violence has always a public in view. Its consequent materiality carries within the archetype of the attentive eyes that witnessed, even in the case of those eyes being merely imagined by an inibriated author or simply one out of one's mind. 

The bottle is by nature a prop. Even better: it's an instrument, because it amplifies the action of the handler in a convulsive discharge of textures and sounds that, as the music of a particular celebrated tradition, has purpose and meaning.

But the scene is left behing. While one rides its bike, they will leave behind also the memory of the bottle throwing individual. A few meters from there, when crossing the bridge over the Landwehr channel, the glass shrapnel – multiplied along the way around and ahead, as unmarked „crime scenes“ - will evoke, each of which, a vague scene in which a subject, now absent, expresses hostility likewise the bottle thrower.

There will be only a few minutes until this conscious beholder holds a bottle in its own hands, from which one feeds onself or any other inebriation (anesthetic or of excitation), and to which one will devote the same attention one devotes to a poetic text or an advertisement. 

Possibly, one will place the bottle - by now empty - over a wall at sight or in an uncovered corner, to be picked up by the hands of another person, who will use it accordingly to the role and the tipyfied behavior that the city defined for this one.

The broken hearts, nevetheless, will remain unseen in the chests of their respective hosts. But, as the bottle, they carry in their own shapes also a content to be revealed. Containing and transfering their liquids – and their messages – in the same manner the bodies, that carry them, do.



quarta-feira, 23 de setembro de 2020

A mágoa recipiente

 

Kreuzberg Merkezi – estampa o arco arquitetônico formado pela junção de dois edifícios a partir de um anexo que sobrepassa a rua, deixando abaixo de si passagem para os carros que, no entanto, precisam dar preferência aos pedestres que circulam e atravessam de um lado ao outro, como indicam as marcas brancas repetidas no asfalto sob seus pés. 

Kreuzberg Zentrum, traduzindo a expressão anterior (em turco), aparecerá do outro lado conforme o passante gire o pescoço para trás e para cima, enquanto segue seu caminho através deste portal disfarçado de edifício, que logo depois ganhará um nome na medida mesma em que o sujeito se tente localizar: Kottibusser Tor.

Um carro e uma bicicleta se aproximam, diminuindo a velocidade ao ver que um homem, no meio da rua, bem abaixo daquele portal, cambaleia vagarosamente com uma garrava vazia numa mão, enquanto a outra gesticula como se enfrentasse um interlocutor invisível.

Uma jaqueta de couro (sintético, talvez), não mais que suficiente pro frio moderado que havia descido naquela noite - e cabelo com corte militar, nada distinto da moda masculina dominante, dão inespecificidade de classe àquela figura, enquanto a cor da pele, os traços do rosto e a barba lhe sugerem uma que adere a um estereótipo étnico particular.

Ele arremessa no chão a garrafa de vidro vazia, que se estilhaça, ao tempo em que a mão articula uma performance conclusiva seguida ao gesto do arremesso, como que para declarar a intencionalidade inescusável do gesto; como se arremessasse um coquetel molotov preparado em uma garrafa de Sternburg

O vidro que quebra ao tocar o chão é um anúncio hostil; um aviso aos que passam; uma nota em lembrança aos que vierem depois e puderem testemunhar da cena apenas os estilhaços no chão, a servirem de obstáculo menor a qualquer um que por cima deles caminhe com pés ou com rodas. 

Mas o que se anuncia ali exatamente? 

Seria o inconveniente da ausência do líquido, bebido minutos antes pelo homem em posse da garrafa agora vazia? 

Como se tivesse culpa a garrafa e sua dureza exposta no impacto contra o chão fosse ao mesmo tempo punição sentenciada e uma declaração de sua inutilidade atual... 

Ou a agressão se dirigisse ao asfalto, representante basilar de um sistema costurado ao redor das grandes estruturas de concreto a volta, porque fosse o homem com a garrafa vazia uma vítima agora consciente de todo campo de determinação ao qual foi submetido e feito chegar ali, naquele instante, em seu momento de lástima? 

Como que negligenciado, naquela noite fria, enquanto outros repousassem suas enormes canecas de vidro sobre um porta-copos em cuja estampa se poderia ler uma mensagem clamando por desobidiência civil de qualquer espécie. Ainda que do modo banksiano do de um arremessador de coquetéis molotov imaginário...   

Tivesse, quem naquele instante se confronta com essa questão, acesso ao conteúdo privado do sujeito objeto de sua atenção, saberia a razão particular daquela atitude: quem sabe, um dia ruim, uma insatisfação espontânea, um coração partido... Pois um sujeito, quem quer que seja, contém bem mais que os estreitos frames das minhas especulações observacionais.

Os outros a volta fazem silêncio por um instante ao ouvir a garrafa estourar no chão. A violência performada tem sempre um público em vista. Sua materialidade consequente conserva o príncipio dos olhos atentos que a tiveram como testemunha, ainda que sejam olhos apenas imaginados por um autor embreagado ou fora de si. 

A garrafa é um acessório cenográfico por natureza. Melhor ainda: é um instrumento, porque potencializa a ação de quem a maneja numa descarga convulsiva de texturas e sons que, como a música de uma tradição celebrada, tem objetivo e significado.

Mas a cena fica para trás. Enquanto cavalga em sua bicicleta, um observador de detalhes deixará para trás também a memória do indivíduo arremessador de garrafas. 

A alguns metros dali, ao atravessar a ponte sobre o canal de defesa (Landwehrkanal), os estilhaços de vidro que se multiplicam ao redor e a frente - como "cenas de crime" não marcadas - evocarão, todos eles, uma cena vaga em que o sujeito, agora ausente, expressa hostilidade similar àquela do arremessador da primeira garrafa.

Serão apenas alguns minutos até que esse observador consciente tenha ele mesmo uma garrafa em mãos, da qual se alimenta ou alimenta uma embriaguez qualquer (de anestesia ou excitação) e para qual devotará a atenção que se devota a um texto poético ou uma peça de publicidade. 

Possivelmente, apoiará a garrafa, então vazia, em um muro à vista, ou num canto descoberto, para que seja tomada em mãos por outro, que fará uso dela conforme a cidade lhe defina um papel e um comportamento à caráter.

Os corações partidos, no entanto, permanecerão ocultos nos peitos de seus hospedeiros respectivos.

Mas, como a garrafa, trazem também eles nas suas formas um conteúdo a ser descrito, contendo e transferido seus líquidos - e suas mensagens - do mesmo modo que os corpos que os carregam.


quarta-feira, 1 de abril de 2020

O Encontro por marcar

„Preciso me encontrar“, disse Cartola enquanta narrava as imagens de um movimento contínuo, „por aí, a procurar“, „deixe me ir, preciso andar“. O sol, os pássaros com seus cantos únicos e variados na medida mesma das variedades dos espécimes a cantá-los, as águas dos rios sempre em marcha tal que nominamos seu movimento como o movimento de pernas humanas em ação.

E, no entanto, o „eu“ que procura, ao mesmo tempo sujeito e objeto da ação, não faz mais que anunciar a medida imanente de seu isolamento. Todas essas imagens de uma natureza magnífica que o cerca são externas a ele; a cada passo dado, afastam-se. E no espaco agora ocupado, só um corpo. Seu próprio corpo a servir-lhe o encontro em vista. Mas o encontro não vem e a procura continua, porque a irremediável razão dos sentidos é vagar pelas coisas mesmas sem nelas, contudo, habitar – ainda que a percepção seja a do próprio corpo que percebe, porque ninguém – absolutamente ninguém – pode desfrutar do luxo de ser sujeito e objeto, ao um mesmo tempo, da ação do encontro. Como os polos invertidos de dois ímãs: um que empurra e o outro que é empurrado. Encontrar não é verbo reflexivo, não pode ser. A necessidade deste sair vagando é apenas desculpa (mentira que um diz a si mesmo, por que „mentir“ sim é ação em que se permite o sujeito ser também objeto), mera desculpa para mover de lugar esse corpo, que não suporta a constância de ser – ser o tempo todo – e não saber exatamente o que se é.

„Eu quero nascer, quero viver“. O sujeito que não se conhece e sendo impossível conhecer-se de fato, clama pelo próprio nascimento e pela vida própria. É pois nas imagens em movimento do mundo – que espelham o movimento de seu próprio corpo – que essa vida ganha contorno. Mas é sempre e apenas uma vida em retrato: „rir para não chorar“ - Nós a aceitamos assim, porque entre a dor e a dúvida, escolhemos a dúvida, sem saber que é a dor, e somente a dor, que pode o „ser“ presentificar. A dúvida é, como o corpo que vaga e sempre a ele paralelo, um justificativa branda mas opção que se renova a cada passo... Vou por aí a procurar, não sei o que exatamente, mas deixe me ir, preciso andar, até que um dia não mais: e damos um nome ao „encontro“, um nome terrível, mas um nome. Pois é um nome, acima de tudo, o que todo sujeito merece.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Curtindo a vida adoidado às avessas (Ferris Bueller's day on)



“I want you to panic. I want you to feel the fear that I feel everyday. I want you to act.”

Essas palavras saídas do discurso de uma menina sueca de 16 anos expressam a medida exemplar do nosso sistema de circulação de imagens e ideias. Uma pessoa, individualizada ao máximo no nome e na imagem do herói inocente e puro, aqui feito heroína (o que apenas convoca mais um elemento nessa dimensão libertadora da redenção), vem ao mundo dar sua mensagem – parece que até aqui a mensagem não havia sido dada com essa ênfase ou essa clareza. Não é, no entanto, uma mensagem de “esperaça” dirá ela, mas uma mensagem de desespero, conclui, para logo depois assoprar a ferida. “Mas ainda há tempo!”. Ela quer que você sinta o medo que ela sente todos os dias. O medo dela é real, não se engane, mas é somente o medo que ela conhece. Há uma semana uma menina de 8 anos chamada Ágatha era baleada e morta no Rio de Janeiro. O que uma coisa tem a ver com a outra? você vai perguntar, com criticismo justificado. As tragédias em questão não se anulam, nem se sobrepõem, é verdade. Mas eu as coloco aqui lado a lado, apenas para dar a você a dimensão abstrata do medo que ocupa a consciência da ativista sueca. Sim, é um medo abstrato, apesar de real, porque é um medo refletido, é um medo alimentado por uma consciência inclusive política; uma consciência que reconhece responsabilidade - uma responsabilidade moral sobre o futuro da existência humana, civilização. Não é o medo da arma do policial que espreita na esquina, pronto para atirar em qualquer um com a pele mais escura. É o medo abstrato de alguém privilegiado o suficiente para achar que seu medo tem o rosto e a dimensão do problema mais global e mais urgente.

Por que é o medo da menina sueca que ganha mundo? Porque ali se encontra a figura vestida do nosso sistema de circulação de imagens e ideias. O mensageiro traz um grito que convoca a luta, como ele mesmo faz, com seu olhar que se alterna entre o papel que lê a sua frente e a plateia em silêncio ao redor. A seriedade não poderia ser mais real, porque não é o produto de uma dramatização fictícia, é real como a menina e o seu medo. Ela quer que você aja, como ela está agindo (o termo ativista não está a disposição por mera coincidência, e aqui eu uso a palavra agir e não atuar para que você não confunda uma arte com a outra). Mas nas palmas alçadas e no alívio da tensão muscular depois da fala, o espírito de luta se dissolve – os gregos chamavam a isso de catarse. Ainda que o agir e o atuar sejam os empenhos de duas profissões distintas, o resultado final aqui é o mesmo.

O medo continua lá, mas ele estará adormecido enquanto a menina dorme, enquanto você trabalha, enquanto eu confecciono o meu texto, enquanto – em resumo – cada um de nós exerce a individualidade de uma existência reverênciada por esse espírito liberal que nos alimenta e que nós alimentamos. A menina usa o termo homo sapiens, em todo caso. Pedindo - com a consciência de quem sabe o exato significado das palavras que fala - uma identificação como espécie entre esses indivíduos dispersos que somos, mas não percebe que é a sua própria imagem que nos impede de identificarmo-nos. Uma imagem do indivíduo privilegiado das celebradas e minoritárias democracias europeias. A classe média daqui, quem sabe, poderá vir a se identificar com ela, mas não é essa classe (acostumada a certo conforto) que vai dar significado algum para o que a menina, de fato, quis dizer com “eu quero que você aja”. O meu respeito e admiração por ela é grande, inclusive na medida da ingenuidade e inocência daqueles que acreditam que ela é o anúncio de uma mudança. Você precisa lembrar - o tempo todo, se possível - que quem colocou (permitiu, pelo menos) ela ali para falar foram os mesmos agentes que deram um púlpito e um microfone para o presidente em exercício dessa nação em pedaços falar na ONU. Ela quer que ajamos, mas eu pergunto: não estamos todos agindo? Ou estamos apenas atuando? Depois de assistir 2 horas em sequência em filmes e seriados no netflix, impossível não conservar a impressão quase permanente de que a vida é uma obra de ficção.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

O dia em que atropelei um homem de gravata

Como eu queria acreditar numa resposta à espreita a aviltar opressores, o sono dos justos a povoar pesadelos daqueles que já muitos sonhos interroperam. Quem me dera fosse a estrutura do mundo, e do universo, uma máquina moralizante a distribuir – como reações newtonianas – contrapesos e a fabricar, na semântica geral dos gestos intencionados, uma simetria tão clara quanto aquela reproduzida pelo espelho. E eu diria que a revolução não foi, e nunca será, um mero acidente. Absteria-me de julgar, quem quer que fosse e por qualquer coisa que tenha feito, porque a estreiteza do ponto que ocupo no espaço não me oferece senão a mobilidade de um corpo que flutua.

Mas eu que cheguei até aqui só vi injustiças perpetuarem-se no lassez-faire da vontade abstrata do deus infinito. E mesmo quando a sorte abateu criminosos, não houve justiça, porque seu nome não foi mencionado. Não houve justiça, porque efeitos e causas não eram ali os amantes de uma dança ensaiada. Não houve justiça, porque também o recursivo sentido da resposta ficou esquecido entre as dores daqueles que apenas puderem enxergar o vazio semântico do aleatório. Como no instante fatídico daquele infeliz acidente, em que com desatenção abusiva marquei minha culpa no asfalto:

O dia em que atropelei um homem de gravata – e ele já não pode mais responder por seus crimes, e o meu agora emerge sozinho, em demanda de um novo juízo. Ah, se com as linhas tortas do contingente me pudesse desenhar uma casa, nela me confinaria até que viesse à minha porta bater a fortuna que me é de direito, seja ela qual fosse.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Manual dos sentimentos mudos




Tão simples
que o senhor encostado no balcão,
se sentiu constrangido

quando lhe disse
que a poesia viria como um recibo
na ausência da explicação